A compatibilização entre LGPD e a publicidade
Regulamento de dados traz desafios para entender comportamentos do consumidor
A nova lei estabelece regras sobre a coleta, armazenamento, tratamento e compartilhamento de informações pessoais, tanto no meio digital quanto no off-line. Mas apesar das grandes mudanças, não significa que os profissionais da área devam parar de trabalhar com os dados. Pelo contrário, essa dinâmica propõe uma oportunidade de evolução, de modo a gerar valor para o consumidor através do reconhecimento de suas preferências, interações mais significativas e transparentes.
Com as novas exigências, as agências de comunicação precisaram revisar seus processos de coleta e uso de dados. Em entrevista ao BREAK, especialistas do mercado relatam os desafios decorrentes da LGPD e qual o papel da agência publicitária frente a adequação da lei, assim como a corrida para que tudo esteja em conformidade até o próximo mês de agosto.
Os impactos da LGPD
A LGPD gera impacto nas relações comerciais e de consumo. Segundo Leo del Castillo, Partner da agência House of Hagens, de Campinas (SP), uma das principais áreas afetadas é a de tratamento de dados pessoais de consumidores com a finalidade de traçar seu perfil. "Até um tempo atrás, eu não precisaria convidar você para vir à minha casa e, assim, conhecer seus gostos. Mas o mundo está mudando, agora, você tem que aceitar e querer dialogar comigo. Além de que, se o conteúdo não for bacana, você não volta", observa Leo.
O impacto no poder de segmentação do cliente leva a discussão: o que as marcas precisam fazer?
Clauber Scarparo, Partner da agência Hagens of Hagens, enxerga que aumenta a exigência de para que as marcas comecem a criar bases em uma relação direta com os consumidores e, assim, adquirir informações com consentimento. "Há vários aspectos, mas a marca se comunicar de forma relevante é o fundamental. É preciso conhecer o seu consumidor e criar experiências, pontos de contato próprio, conversas em canais próprios", alerta Scarparo.
Para Janine Medeiros, diretora de Negócios Digitais da Nação Interativa, de Campinas (SP), a captação de leads e a forma de uso foram reduzidas após as novas condições, o que causa um transtorno ao comparar históricos de desempenho dos consumidores. Entretanto, ela reforça que mesmo com a limitação, a situação não deve ser vista como negativa. Afinal, os resultados atingem um público que está, de fato, interessado no produto ou serviço. "Diminui a base de lead, mas, consequentemente, aumentou a qualificação das métricas. O que temos feito em relação ao mercado é criar estratégias para atrair o público, entendê-lo e mantê-lo. É uma oportunidade para inovar, criar, engajar e investir mais em campanhas publicitárias otimizando o investimento. Os clientes estão cientes de que a taxa de conversão cresce, apesar de uma base de dados menor", comenta Janine.
Mateus Ferri, Head de Inovação da Quattromani Propaganda, de Porto Ferreira (SP), observa o mesmo direcionamento: "Não é mais sobre quantidade e sim qualidade". A partir das mudanças estabelecidas pela LGPD, os leads terão um nível mais alto, sendo mais propensos a engajar com a marca e até mesmo converter durante uma campanha, o que demonstra uma real oportunidade de negócio.
Conforme anunciado pelo Google, o cookies de terceiros, arquivos na internet que armazenam dados do usuário estão com os dias contados, o que preocupa a publicidade, uma vez que são utilizados para identificar padrões de navegação e entrega de anúncios. Para Mateus Ferri, é possível que surja uma nova prática de coleta de dados. "Acredito que o usuário possa vender seus dados em troca de benefícios. Mas acima de tudo deve-se prevalecer a transparência e a honestidade com o usuário", explica ele.
Capacitação da equipe
Com as atualizações, toda agência e empresa devem ter uma equipe por dentro das bases legais da LGPD. Para que possam identificar quais são as possibilidades que permitem o tratamento de dados, a agência Quattromani Propaganda criou um time para o tratamento dessas informações que contou com respaldo jurídico do escritório do advogado Mozart Gramiscelli Ferreira. "Cada vez mais, as iniciativas envolvendo dados ocorrem através de forma autônoma dentro da agência, sendo assim foi necessário adequar os processos, compliance e estruturar uma governança de dados", conta Mateus.
Por utilizar os interesses dos consumidores para produzir conteúdo, Leo del Castillo relata que a equipe sempre buscou desenvolver ferramentas para obter consentimento dos usuários. Após o novo regulamento, eles redobraram o cuidado para que a autorização do cliente seja a mais clara e espontânea possível. "Quem está se preocupando com isso já está fazendo sua parte em relação à transformação digital", comenta ele.
José Alves Neto, Partner da Hagens, de Campinas (SP), destaca o papel que a agência vem desempenhando dentro da jornada dos clientes. "A Hagens não atua só com campanhas de comunicação e publicidade. A gente tem trabalhado com tecnologia e com processos mais complexos voltados ao marketing que, obviamente, se encaixa na LGPD. Até onde podemos atuar, os nossos clientes estão cobertos".
Leo del Castillo lembra que embora a lei tenha começado a ser desenhada desde 2018, grande parte da população brasileira ainda desconhece a LGPD, o que não retira a obrigação dos empresários em agir em conformidade com ela. "O consumidor final é o que menos está estudando ou entendendo o que ele pode ou não pode fazer como consumidor, o que faz com que algumas empresas relativizem os riscos", alerta ele.
O futuro da publicidade
A respeito do futuro da publicidade, Janine Medeiros acredita que a LGPD veio para destacar as marcas que estão levando a sério o seu papel dentro do mercado. "Estamos, sem dúvidas, na era dos dados. A agência de marketing digital cumpre o papel de um operador de dados, precisando estar ciente de todas as normas e se adequar. Na agência, estamos unindo a área de tecnologia com a área de inteligência de negócio para criar bancos de dados consistentes", explica a diretora de Negócios Digitais da Nação Interativa.
Uma pesquisa realizada pela SaleCycle na Europa após um ano da implementação do GDPR (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados), um conjunto de regras sobre privacidade válido para a União Europeia, aponta que 85% das pequenas empresas acreditam que os regulamentos mais rigorosos levaram a uma base de assinantes mais engajados.
Para Mateus Ferri, a única desvantagem da LGPD é não dar a devida atenção para ela. "Uma política de privacidade transparente, hoje é vista com um diferencial na visão do usuário, pois faz com que a empresa seja vista com mais confiança. Até mesmo grandes empresas que não entenderem a necessidade desta mudança, poderão ser engolidas pelas pequenas que enxergaram neste desafio uma oportunidade de crescimento e evolução", pondera ele.
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